Pequena Flor de Laranjeira

Pequenas crônicas, pequenos contos. Textos semanais. Por Adriana Taets.

Arquivo de perereca

Boas vindas

Prezada Nara,

Só hoje me dei conta de que você é mais uma moradora de nossa casa. De todas as outras vezes que nos encontramos, no susto que levava, eu não percebia que eram sempre os mesmos olhos a me encarar. Eu não percebia que era sempre você. E hoje, enquanto eu aguava o tomilho, você não pulou na minha direção – o que me colocaria, mais uma vez, em estado de pânico – mas me olhou quieta enquanto eu despejava borbotões de água sobre você.

Meu primeiro intuito foi te enxotar da horta a vassouradas, mas você me olhava com olhos tão fixos, tão certos. Hesitei. Você teve a coragem que me falta: olhou o inimigo nos olhos e não recuou enquanto não reconheceu naquele olhar a piedade e a bondade de quem escolhe não liquidar uma pequena perereca que lhe incomoda. Eu era infinitamente maior do que você, mas o seu olhar me encarou com coragem até reconhecer uma fisga de esperança nos meus olhos. Foi quando decidi recuar e deixar de lado minhas estratégias de guerra contra você.

E já que agora sei onde você mora e posso te reconhecer transitando pela minha casa – não são inúmeras pererecas, é apenas você – é necessário, em primeiro lugar, que você ganhe um nome. E ao te dar um nome, Nara, eu te aceito e te reconheço como única. Não que todas as pererecas do mundo possam se aproximar de mim a partir de agora, mas você, com o seu olhar, abriu fendas no meu universo até então interditado para as pererecas.

Em segundo lugar, é preciso estabelecer algumas regras. Eu sei onde você mora – no tomilho – e você também deve saber onde eu moro. Eu, sinceramente, não gostaria de te encontrar no meu quarto ou no meu banheiro. Se assim acontecer, desconfio que nem sequer seu olhar será capaz de abrandar a minha fúria.

A casa é grande, eu sei, mas eu também não gostaria que você fizesse festas e nem recebesse visitas. É preciso, antes de tudo, manter a ordem e a intimidade do nosso lar. Se você se sentir muito sozinha, te peço encarecidamente que saia um pouco, vá dar uma volta, passear pela cidade. Sabe, Nara, a cidade é bonita, cheia de gente, muitos carros, as possibilidades são enormes.

Por fim, reconheço que foi com alívio que te encontrei hoje. Não por saber agora que não são muitas as pererecas, mas porque de certa forma você me faz companhia. Você ama o jardim e suas flores tanto quanto eu. Você se regozija com a água caindo sobre a terra, e sente, como eu, o perfume que ela exala ao ser regada.

Espero que a convivência possa ser boa, e te peço que, sempre que preciso, antes de sair pulando por aí, me entregue sempre esse seu olhar.

Atenciosamente