Bastava as pessoas se afastarem e logo ele corria para perto do lixo. Vasculhava, vasculhava, e nada. Carregava consigo uma pequena sacola, vazia, sempre vazia. Os poucos que o percebiam – quem olha para aqueles que vasculham o lixo? – se intrigavam com sua audácia em enfiar a cara inteira no lixo que fosse. Mas ninguém percebia que ele nunca catava nada, nunca achava nada.
Um dia, no entanto, ele encontrou algo num lixo de esquina, pegou o objeto como quem segurava um bebê recém nascido. Colocou na sacola com cuidado de amante. Chegou em casa, depositou o pacote sobre a mesa, se banhou, vestiu roupas limpas, se perfumou, ascendeu o abajour. Abriu o pacote e retirou com o maior amor que podia um coração que fora descartado. Cuidou de suas feridas, envolveu-o em seu colo, chorou sobre as dores que nem imaginava a quem perteciam.
Passado um mês, ele se pôs de vigília sobre o mesmo lixo da esquina. Trazia consigo o coração já saudável, batente, forte. Procurava o dono ou a dona daquele coração. Depois de horas e de uma multidão de pessoas que passaram ali, ele avistou um senhor calvo, idoso, triste. Aproximou-se do homem e lhe entregou o pacote dizendo que aquilo pertencia a ele. O senhor se espantou, abriu o embrulho e viu ali seu próprio coração, recomposto, fortalecido. Já não precisaria mais sofrer. Quando levantou os olhos no intuito de agradecer à alma bondosa que cuidara de seu coração, o homem já não estava mais lá. Ele estava longe, vasculhando outros lixos, à procura de novos corações.
Deixe uma Resposta