Num dia assim, sem assunto nem poema, Adélia afirma que é Deus quem lhe tira a poesia. O resultado é que seu olho fica torto, o coração caolho, o mundo, nem se fala. Aí ela olha pedra e vê pedra mesmo. Mundo torto. Rua que é rua. Mato que é mato. Feio que é horrível. Cansaço que é dor. Alegria que não encanta. Tristeza que não passa.
Às vezes, no entanto, Deus é generoso e o mundo se colore. Não é torto mais não. A pedra vira amanhecer, o cansaço vira amor, deus é gente, gente é anjo, anjo é você e eu, juntos, caminhando na rua, no mato, na montanha. Pedra é tudo, menos pedra.
Deus é bicho estranho. Num dia dá, noutro tira. E o mundo não nos dá sossego: um dia é pedra, outro, passarinho. E meu coração fica à esmo, cheio de cansaço e esperança. Ainda bem que a Adélia nos avisa que tudo não passa de travessura de Deus, que resolve, às vezes, nos tirar a poesia. Rezemos então, que quem sabe, a poesia volta e o mundo entra nos eixos novamente.
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