Pequena Flor de Laranjeira

Pequenas crônicas, pequenos contos. Textos semanais. Por Adriana Taets.

Arquivo de gentilezas

Quem não gosta de Suflair?

“Brigada, eu não como chocolate” foi a resposta que dei ao moço que vendia Suflair no sinal. Na primeira vez que ele me ofereceu, eu disse um simples não, obrigada, seguido de um sorriso. Mas ele insistiu, disse pra levar só um, só hoje. Ele retrucou a minha resposta com uma oferta ainda mais gentil. Eu não tinha saída e fui obrigada a mentir, gentilmente. Eu poderia dizer a ele a verdade: eu não como este chocolate que você vende. Mas certamente isso não caberia naquele jogo de sutilezas que a gente havia se envolvido. Com a minha renúncia categórica a todos os chocolates ele se viu vencido, sorriu, agradeceu e foi vender chocolates e delicadezas para alguém no carro atrás de mim.

Quando arranquei com o carro me senti derrotada pela minha própria mentira. Certamente que ganhei o jogo com o vendedor, mas perdi para os chocolates mais uma vez. É verdade que o Suflair é chocolate que não me agrada: aquela textura areada não permite que ele se derreta na minha boca, alcançando lentamente todas as minhas papilas gustativas, me ganhando o amor aos poucos, até me levar às alturas com a sensação de alívio por aquele sabor ter atingido, finalmente, a totalidade das minhas sensações.

Se comprasse o Suflair do tal vendedor o pobre chocolate quedaria esquecido nos cantos do meu carro, amassado, derretido, envelhecido. É verdade que não gosto de chocolates assim. E me incomoda qualquer chocolate ultrajado dessa maneira. Sendo assim, fiz eu um favor aos chocolates e ao vendedor ao não comprá-los, permitindo que eles chegassem a mãos e lábios mais generosos, dispostos a envolvê-los em um beijo mais ardente e não indiferente – como seria o meu naquele caso.

Mas é certo que perdi para os chocolates. Uma semana de abstinência é o suficiente para uma entrega completa que começa com apenas um pedacinho, em instantes se transforma em um naco, vira uma caixa, um turbilhão, um êxtase completo que termina, invariavelmente, com uma culpa que grita por tamanha fraqueza e tamanha entrega. Nova promessa. Nunca mais se aproximar daquilo que me domina.

Sendo assim, sigo repetindo sozinha no carro para o meu vendedor, que a essa altura já se tornou um gentil senhor imaginário, que eu não como chocolates, que eu não gosto de chocolates, que eu não como chocolates, que não, eu não gosto de chocolates, eu não gosto de chocolates, eu não gosto, eu não.